segunda-feira, outubro 23, 2006

GAIVOTA IN BOX!

Cia Espaço em BRANCO continua seqüestro do teatro de Arena com o Laboratório de criação teatral: GAIVOTA IN BOX, aberto para a comunidade


A Cia Espaço em BRANCO (Extinção, ANDY/EDIE), dentro das atividades de seqüestro do teatro de arena, apresenta o seu LABORATÓRIO DE CRIAÇÃO TEATRAL: GAIVOTA IN BOX.
O laboratório investigará os processos de construção de cena e personagem a partir da exploração da corporeidade e espontaneidade, tendo como mola propulsora dramatúrgica o texto “A Gaivota” de Anton Tchekhov.
As encontros serão de segundas a quintas feiras, das 19h até as 22h, com início dia 30 de outubro e término dia 21 de dezembro, no teatro de ARENA.
O LABORATÓRIO faz parte da ocupação do Teatro de Arena pela Cia. Espaço em Branco, grupo de teatro que esteve em cartaz com a peça ANDY/EDIE. A Cia. Ganhou o edital de ocupação do espaço para o primeiro semestre de 2006 e mais uma verba de R$ 15 mil para a produção do espetáculo. Honrou o compromisso com o Estado, com a Secretaria da Cultura e com o Teatro de Arena, colocando a peça em cartaz, com recursos próprios - os R$ 15 mil ainda não foram repassados. O Teatro de Arena está ‘seqüestrado’ pela Cia. por tempo indeterminado, violando o limite do edital e oferecendo programação própria até que a verba saia.

Ministrantes: João Ricardo, diretor e ator teatral bacharelado pela UFRGS, dirigiu diversos espetáculos como Serpente, O Livro de Catarina, Extinção e Andy/Edie, é oficineiro pelo segundo ano consecutivo no projeto descentralização da cultura.
Rodrigo Scalari, ator e arte-educador, licenciado pela UFRGS, atuou em diversos espetáculos como Extinção, O Canto do Cisne, Andy/Edie entre outros.

Súmula do Curso:

Corpo –Voz (Mobilidade Funcional das Articulações; Consciência de Pele, Músculo e Ossos; Treinamento Energético e Tônus Muscular; Respiração; Ressonadores Vocais; Ação Vocal etc)

Improvisação (Improvisação Espontânea e Combinada; Ação Dramática e Ação Pragmática; Jogo e Prazer em Cena; Impulso; Intenção da Ação; Espacialidade ((espaço real e imaginário)) etc)

Análise Dramatúrgica ( Estudo da Narrativa da Peça; Divisão do texto por Unidades Dramáticas; Evolução da Ação Dramática; Trajetória e Evolução da Personagem na Peça etc.)

O que: Laboratório de Criação Teatral: GAIVOTA IN BOX

Onde: No Teatro de Arena (Altos da Escadaria da Borges, 835)

Inscrições: Até o dia 30 de outubro, segunda-feira no Teatro de ARENA
Das 14h às 18h
Fone: 32260242

Duração do Laboratório: 8 semanas
Do dia 30 de outubro ao dia 21 de dezembro

Investimento: duas parcelas de R$ 140,00 ou uma de à vista de R$ 250

Vagas limitadas: 10 alunos.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Entrevista com a queridíssima Fernanda Farah, A Lady Greyyyyyyyy!!!!! =D

João Ricardo: Tu estavas no elenco de A Vida cheia de Som e Fúria. Participou de algum outro espetáculo da Companhia?

Fernanda Farah: Comecei com o Esperando Godot. Ainda não se chamava Sutil, participei da re-montagem para o Rio. Depois do Godot o Estou te escrevendo de um país distante, e aí Sonho e Fúria e agora Thon Pain.

JR: Tu tens na tua formação coisas multidisciplinares. Tem Kathakali, tem Bread and Puppet, música contemporânea. Queria que tu falasses justamente disso, da tua formação e como essas pessoas te marcaram no teu crescimento como atriz.

Fernanda Farah: Comecei a fazer teatro muito cedo, com 12 anos. Fui pra São Paulo trabalhar com o Antunes Filho. Tinha uma hierarquia que me incomodava desde o princípio no teatro, porque eu tinha esse desejo de ser atriz, mas não gostava da palavra do diretor ser a final. Até os meus vinte e poucos, isso me fez fazer muito mais música por não suportar como é possível uma atriz criar alguma coisa sem que fosse na obra de outra pessoa. Comecei a fazer música e conhecer música contemporânea. E fui muito cedo pra Berlim, aos 23, e lá conheci pessoas que trabalham na fronteira das áreas, e consegui fazer um solo lá que também era nessa fronteira de áreas, música, performance. Os músicos que viam diziam que parecia teatro e as pessoas de teatro diziam música.

JR: A performance é maravilhosa por isso, é uma fronteira completamente selvagem entre as linguagens.

Fernanda Farah: É uma terra de ninguém. Comecei a vivenciar isso em Berlim, me sinto muito mais livre em outro língua, aí comecei a gostar de ser atriz de novo, e pedir pelo amor de Deus um texto pra eu ler.

JR: E lá em Berlim tu trabalhas basicamente com performance?E também com teatro musical, ópera contemporânea. Eu canto também, toco percussão, computador e toys.

JR: O que são isso, toys?

Fernanda Farah: São coisinhas, muita gente toca, já é uma nova área de instrumentos. Cada um tem seus toys, desde o trompetista que tem os seus de colocar dentro do trompete até aquele que só toca os toys, e eu toco os toys com voz e performance, levanto, me mexo.

JR: Tu tem um grupo lá?

Fernanda Farah: Na verdade pode-se dizer que somos uma cena de música improvisada e arte de fronteira. Tem alguns clubs que nos unem, casas onde a gente se apresenta. Então a gente se troca. A vida na Europa é extremamente caseira, eu me sinto as vezes no interior, em uma metrópole como é Berlim.

JR: Tu foi lá pra estudar ou trabalhar?

Fernanda Farah: Meu namorado morava lá e eu passei 2 anos indo e vindo até me decidir mesmo, aprender a língua, porque eu era atriz de palavra, e teatro falado só posso fazer aqui, ou melhor só tenho interesse de fazer aqui, senão eu teria que me dedicar a falar alemão sem sotaque ou procurar o diretor certo.

JR: Pintam coisas na tua formação como Khatakali.Fernanda Farah: Essa é uma história interessante, porque era uma época que eu participava da Escola Internacional de Teatro do Caribe. Cada país que sedia a escola naquele ano decide quem vai ser os professores, neste ano eu tinha a opção de fazer Khatakali. Ele era esse ser que não se adapta no ocidente. E fiz na Nicarágua com o Bread and Puppet. Era menos pela coisa em si, mas pela situação geográfica, mas foi um Bread and Puppet fora de época porque acho que ele é meio datado, tinha que viver da maneira como as pessoas viviam, como camponeses. E aí preparamos algumas peças, e viajamos com um ônibus e um xilofone, de povoado em povoado.

JR: Como tu chegou no Thon Pain?

Fernanda Farah: O Felipe tinha me dito que o texto era lindo e seria bom eu fazer. Mas eu moro longe e sempre tenho que me adaptar. Aí, comprei o Thon Pain e adorei, o Lady Grey não era editado, mas eu confiei que seria lindo tanto quanto. É muito bem escrito e me interessou especialmente porque é sob o ponto de vista de uma mulher, e a questão é essencialmente humana, poderia ser feita por um homem também. Eu tinha lido Thon Pain e pensei, - putz lá vem no Lady Grey o ponto de vista da mulher- . Isso eu detesto em teatro, os papéis femininos pra mim é sempre de uma mulher numa situação que raramente carrega a questão humana. A primeira coisa da proposta dele é que a Lady Grey é uma atriz que não sabe fazer truques e eu achei isso sensacional. É isso que o Felipe me pediu: - você deve falar muito devagar e seja sincera o tempo inteiro. Eu quero absoluta primeira pessoa e que você seja a Lady Grey -.

JR: Esse teu pensamento e prática de performer e não de atriz tem tudo a ver com a Lady Grey, porque antes de qualquer coisa é o teu corpo, e chega ao ponto da nudez. Está tudo ali, eu fiquei encantado com o espetáculo. Acho ele muito refrescante em termos de linguagem por se apresentar do território, onde não há mais personagens, onde não há mais ação, onde a narrativa está totalmente espicaçada. Um território cheio de espaços, o público vai navegando pelos espaços oferecidos pelo performer.

Fernanda Farah: E é quase uma facada pro público ela ter esse espaço. Acho tão bonito que seja Thon Pain – Lady Grey, porque no Thon Pain ele tenta fazer um teatrinho e tenho a sensação quando chego no Lady Grey que o público já tendo experimentado o Thon Pain gosta de ser enganado, gosta desse acordo que a gente faz. Há momentos que são muito difíceis de fazer, como quando ela diz morram vocês. Ela é uma personagem que tem uma esquizofrenia própria, ambos são esquizofrênicos, e nela é mais sutil ainda. Pra mostrar que há esse personagem, mas ele faz essa confusão na narrativa épica porque há essa narrativa épica que é a linguagem do espetáculo o tempo inteiro. Veja bem há a personagem, mas não há. A pessoa pensa que é, e ele tira. Isso é o que eu fazia na minha performance e de repente eu li este texto onde isso está tematizado, escrito e pontuado.

JR: E o Felipe foi muito rigoroso quando ele te deixa ali no intervalo. É de uma solidão. De uma agressividade.

Fernanda Farah: Eu olho vocês todos. Pouquíssima gente suporta meu olhar. Eu sou o observador embora não seja. A gente recebeu uma carta tão linda de uma menina que assistiu aqui, e ela respondeu exatamente como alguém que foi olhado.

JR: É um espetáculo muito agressivo, construído em cima das afetividades. É a camisa do cara, não é o cara.Fernanda Farah: Eu tenho a sensação que a Lady Grey liga o foda-se, mas na verdade não ligou, no final ela está ruminando aquilo. Esse texto fala da falta de quando a gente não tem a coisa.

JR: Tu percebes a Lady Grey como destacada de ti, ou tu tens uma abordagem pessoal e performática ao mesmo tempo.

Fernanda Farah: Raramente tenho abordagens distantes, e sei também ser uma atriz com abordagem externa. Mas nesse caso é difícil, porque a personagem é uma atriz, que tem vergonha, e eu também sou uma atriz que tem vergonha. “Tenho paralisia, tenho problemas na cama. É a primeira personagem que fiz, eu sou uma falta, sou um ser cheio de buracos, vc também é? Pois é eu sou.” Ela diz que não há nada concreto, e nesse sentido eu me aproximo demais desse personagem.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Entrevista com Guilherme Webber, meu velho, sou teu fã!

João Ricardo: Achei Thon Pain muito radical em termos de linguagem,e ao mesmo tempo remete a outros trabalhos que vocês fizeram como o Cartas para não mandar e o Ball – Babilônia. Depois de tantos espetáculos com encenações super flamboyant, Thon Pain Lady Grey chega numa crueza total, sem trilha sonora, apenas vocês indefesos na frente da platéia. Isso é uma retomada? É a depuração de uma linguagem? O que é Thon Pain Lady Grey?

Guilherme Weber: Thon Pain foi feito de maneira muito intuitiva, começou pela paixão pelo dramaturgo Will Eno. O Felipe descobriu um texto dele pela Internet quando estava vendo uma matéria sobre a montagem de uma peça chamada Temporada de Gripe em Londres, e encomendou o texto. O Felipe tem essa sede de conhecer coisas. Temporada de Gripe chegou num momento de crise da companhia, exatamente quando estávamos na sala de ensaio sem saber o que fazer e ficamos completamente apaixonados pelo texto. Quando você vê um Will Eno hoje é como se você estivesse assistindo um Godot ou um Becket na época em que ele escreveu. Consegue aliar conteúdo e linguagem de uma maneira muito precisa. Montamos Temporada completamente fascinados.O espetáculo fala de como a arte e o teatro são linguagens falidas quando se quer falar de verdadeiros sentimentos. Falida como novidade. Ele mistura tudo, a montagem começa a virar falência da arte, do dramaturgo, do diretor, dos atores interpretando, e isso acaba virando a falência dos personagens também. O Felipe conseguiu radicalizar isso na montagem, o tom realista dos atores ia sumindo e ia ficando muito neutro. A ponto de no final o elenco sair e não voltar pra agradecer os aplausos, aí o cenário caia inteiro.

João Ricardo: Acho que o Thon Pain está dentro de todas estas coisas, mas acho que para mim passa da falência, para mim é super refrescante em termos de linguagem.

Guilherme Weber: Acho que ele mostra tão bem a falência que ela acaba se tornando uma novidade. Acho que talvez ninguém tenha refletido tão bem sobre essa falência e sobre os recursos do teatro muito bem feitos.

JR: Estão todos ali, conceitos muito primais da linguagem cênica. Eu achei muito tocante, a idéia que expressa na dramaturgia e no cenário, da identidade das figuras destes personagens serem construídas através dos espaços da linguagem. Um homem construído entre os espaços do seu verbo. É a mesma coisa da construção do teatro não ser no ator e na platéia, mas no espaço. É radicalizado na encenação.

Guilherme Weber: Tanto que eu falei pro Felipe: - Cara não vai dar tempo pra decorar esse texto - e ele falou: - não tem problema - que eu poderia ler. Nesse espetáculo em especial não precisamos ter a preocupação em acabá-lo porque ele fala sobre isso. Sobre essa desconstrução. Optamos pelo monitor, e foi ótimo. Não sei uma palavra de cor. Compreendo o texto porque o estudei muito, mas ele corre no monitor o tempo inteiro.

JR: Vocês ensaiaram quanto tempo?

Guilherme Weber: Eu brinco que ensaiamos 14 anos. Porque acho que eu precisei ter minha carreira toda pra conseguir chegar a esse ponto. Tentar fazer o mínimo possível, manter um tom mais neutro possível e não me movimentar.

JR: E ao mesmo tempo é muito comunicativo

Guilherme Weber: Porque o Will realmente é um gênio. Acho, sem falsa modéstia que a Companhia conseguiu traduzi-lo muito bem no país. Porque os textos não são escritos para serem encenados assim. As rubricas do Will são outras, ele anda pela platéia, vai aqui e ali. Nos imobilizar em um foco de luz foi sugestão do Felipe. Quando saímos a coisa se torna mais íntima, mas a luz não acompanha. Will é tão habilidoso que as únicas indicações de interpretação que ele dá são as pausas, e como esses termos quando são respeitados funcionam. Ele definiu os 2 monólogos como stand-ups existencialistas.O Will veio pro Brasil assistir Temporada de Gripe com a Raquel, mulher dele na época, que foi pra quem ele escreveu a Lady Grey. É engraçado porque hoje eles não estão mais juntos, então a gente monta o espetáculo que fala sobre separação no momento que esse casal realmente se separou.

JR: É hiper teatral, porque na verdade a peça está falando sobre o ator.

Guilherme Weber: É o exercício primeiro de você tentar unir linguagem ao objeto. Pra ver se cola, e geralmente a criança vai pra cadeira, chorando ou só chorando um pouquinho, esquecendo as partes importantes. E no Thon Pain ele fica também se relacionando com temas de infância e sempre se colocando como narrador. O menininho com roupa de cowboy, que foi picado por abelhas. Até o ponto que ele fala, - um homem pensando - e fala o -homem sou eu, depois ele fala o homem e o menininho são a mesma pessoa.

JR: Tu já fizestes muitos personagens deste sentindo na trajetória da Sutil.

Guilherme Weber: Eles sempre são um pouco narradores e construindo sua vida, sua história. É a linha que a companhia seguiu quando começou a pesquisar as narrativas de memória. E aí inevitavelmente por eu ser um ator que fez praticamente todos os espetáculos da companhia, acabei ficando com essa característica.

JR: Como se dá o processo no laboratório de ensaio? Dessa construção dramatúrgica intertextual, cheia de referências?

Guilherme Weber: Acho que fazemos parte de uma geração que se comunica através de referências. O Felipe e eu somos amigos desde muito garotos. Crescemos juntos, conhecendo as coisas juntos, então temos as mesmas referências. Acabei me tornando uma espécie de líder de elenco por ser quem consegue traduzir todas as referências de criação do Felipe.

JR: Me descreve este processo.

Guilherme Weber: A companhia é um uma companhia de criadores, não de atores. Definimos isso a partir do momento que criamos o grupo em 1993. Temos uma companhia de criadores, onde a idéia é a estrela privilegiada. A partir disso chamamos os colaboradores que a gente precisar. As coisas sempre vieram nessa progressão e sempre inspiradas em referências.

JR: É só abrir o site de vocês, e tu estas ali, com o disquinho dos Smiths na mão. É minha banda predileta, e eu acho que os Smiths atendem a uma camada que nunca antes tinha sido atendida. Uma sensibilidade nostálgica, bissexual, suburbana, urbana. Muito contemporânea, cínica e solitária. E acho emblemático tu segurar o disco dos Smiths. Acho que o fascínio da Sutil é atender uma camada que os Smiths atendem.

Guilherme Weber: É tudo muito biográfico. Acho que talvez tenha sido a primeira expressão do sul do país no teatro, genuína, que traga essa melancolia, a estética do frio, essa nostalgia e o sentimento de exílio. Você é obrigado a pertencer a um país, que não dialoga com você. A estética do nordeste define a cultura nacional. E você tem um micro-país aqui no sul, muito urbano, nostálgico, andrógeno e tal e que nunca tinha se expressado de forma tão concreta.

JR: A vida é cheia de Som e Fúria é um turning point dentro da história da companhia.

Guilherme Weber: Em todos os sentidos. É o espetáculo que projetou a companhia, nos tirou do sul e colocou no eixo. Tornou a companhia independente financeiramente, definiu uma linguagem e os nossos parceiros. Mas agora temos muito mais necessidade de fazer espetáculos inéditos. Pegar esses traços biográficos que apareciam como flashes e tornar eles inteiros e únicos. Avenida Dropsie foi uma adaptação do Will Eisner, e é totalmente inédito. Você pode ter qualquer companhia do mundo montando Will Eisner, mas nunca vai chegar naquele estágio.

JR: Como foi a reação das pessoas ao Thon Pain Lady Grey? Porque isso dá uma sacudida no gosto tradicional.

Guilherme Weber: Claro que é uma platéia de festival, com muitos artistas. Eu não sei como funciona este espetáculo em temporada regular com público médio, e mesmo com quem acompanha a companhia que as vezes vem esperando um Som e Fúria. Nem todo mundo se abre pra outras coisas. Temos muitos espectadores que querem Som, querem Nirvana, querem Smiths. Mas está sendo fascinante. As pessoas saem no meio, estranham. Mas quem embarca realmente sai muito transformado.

JR: Quem está por trás da linguagem de interpretação da companhia? Qual é a leitura? Quem são os pais de interpretação de vocês?

Guilherme Weber: Vem tudo um pouco misturado, essas referências não se dividem muito. Vem tudo num caldeirão das coisas que a gente viu a vida inteira. Bergman, Pina Bausch, Tadeus Kantor, e os atores que faziam parte deste grupo todo. Eu como ator, acabei tendo minhas referências estéticas individuais. Teve uma época que a gente usou muito naturalismo. Muito Bergman. Tudo o que eu assisti de cinema mudo. E aí acho que tem um pouco da multiplicidade de referências da companhia e onde isso tudo se mistura numa assinatura, geralmente as referências são mais codificadas.

segunda-feira, julho 17, 2006

ESTRÉIA DIA 21 DE JULHO, 20H NO ARENA! POP, DIRTY POP!


Chega um momento em que a minha cabeça se esvazia. Qualquer tentativa de comunicação verbal se torna descartável frente a rede complexa de comunicação que é um espetáculo de teatro. Esta é a minha interpretação da palavra fidelidade, ter optado pela criação de uma arte que tem na sua essência uma série de relações humanas objetivas, que propõe a dependência como regra, sem ela não existe o teatro. O diretor precisa ser aceito pelos atores, os atores precisam ser aceitos pelos seus colegas de cena e pela platéia. Este é apenas um dos pontos sublimes da arte teatral, a pluralidade e a dependência. Sem olho no olho, sem uma rede de pequenos acordos humanos o teatro deixa de existir. É também nestas relações em que reside muito do poder subversivo do teatro, antes de tudo estamos falando de homens que dependem de homens,vivos e diferentes, frente a frente, expostos as agruras do tempo e do espaço. Ai está a base do drama. Diferenças que se tocam. Falar no plural é o que nutre minha força de artista.
Associar minhas inquietudes a uma das figuras mais importantes da arte do Séc. XX, Andy Warhol é um passo em direção a alguma coisa que talvez chama-se maturidade. Ou apenas mudança de perspectiva. Até então sempre trabalhei com textos que apontavam para o homem em seu estado mais primitivo descarnado e atemporal. Extinção, primeiro trabalho “oficial” da Cia. Espaço em BRANCO pode ser considera o ponto de transição. Ali está de forma escancarada e procura por uma essência no entendimento das relações afetivas dentro de um núcleo familiar servindo como metáfora pesada da condição finita do homem, da cultura e do teatro. Mas já aparece no espetáculo a sujeira de referências POP, os personagens não são seres flutuantes num limbo de conceito, não, eles vão ao shopping, tomam remédios, vêem cinema e TV, ouvem rock and roll.

Quando li Andy/Edie me agarrei ao texto com a fúria de um guerreiro medieval. Ou com o frenesi de um dervishe. Percebi no texto do Diones o trampolim perfeito para começa a nadar em outras águas. Sair da caverna dos impulsos primitivos que tanto me fascinavam e começar a chegar na superfície. E na superfície está uma cultura organizada pela idéia de lucro e de produto. Está a idéia de consumo. Está o mar de imagens, clichês, sons, drama barato em que estamos mergulhados. Sem tentar bombardear nada e nem prega lições de moral como falar de cultura, de arte? A lição de Warhol me aprece mais do que essencial, devorar tudo, ressignificar, aceitar o lixo e trabalhar com ele. E se der certo, ainda ganhar uma boa grana com isso. ( o que me parece em Porto Alegre apenas utopia). A lição de cinismo de Warhol parece uma via boa de ação dentro deste cenário. O olhar cínico não julga, revela as relações se apropriando delas. Falar de Warhol é também prestar a devida homenagem ao mestre. Filho de imigrantes, pobre, gay, tímido “freak” por excelência Warhol tinha o kit completo para ser esmagado dentro da cultura norte-americana dos anos 60. Mas subverteu tudo se expondo, começando pelo próprio corpo e nome até chegar um todos os meios de comunicação que pudesse, cinema, tv, artes plásticas, performance, festas, literatura, etc. Ao se expor ele expôs toda a complexidade, o paradoxo da contemporaneidade. Tiveram que engolir Andy Warhol com peruca e tudo. Aqui, ele será nosso banquete.

É com prazer que trazemos, trazemos pois falo em nome da Cia. Espaço em BRANCO, este nosso segundo espetáculo.
Dedico o espetáculo a cada pessoa que participou do projeto de elaboração do mesmo, a cada mente criadora que ergueu este espetáculo, esta ação.
Dedico em especial aos meus amigos, atores: Rodrigo, Lisandro, Sissi, Xanda, Michel e a Rave. É uma dedicatória um pouco estranha, já que na real, o espetáculo é deles.

João Ricardo
Teatro de Arena, Inverno de 2006

sexta-feira, julho 07, 2006

ANDY/EDIE


ANDY/EDIE
(Prêmio Funarte de Dramaturgia 2005)
Estréia: Julho, dia 21, às 20h
temporada: sextas, sábados, domingos e segundas
até di 04 de setembro
Teatro de Arena - PortoAlegre

FAMA, GLAMOUR, VAIDADE E MORTE
Nova York, 1965.O artista pop ANDY WARHOL conhece EDIE SEDGWICK, uma garota de apenas 22 anos, linda, rica, amiga de celebridades e possuidora de algo que foi definido por ele como "Glamour Elétrico". Nesta mesma época Edie mantinha uma relação conturbada com o jovem músico BOB DYLAN, que não fazia questão de esconder seu desprezo por Andy e seu desagrado pela amizade entre a jovem modelo e o mestre da POP ART.Este foi o contexto para uma das temporadas mais loucas e cruéis que se tem notícia na história da cultura Contemporânea.

ANDY/EDIE

Dir: João Ricardo
Texto: Diones Camargo

Elenco:Sissi Venturin
Rodrigo Scalari
Lisandro Bellotto
Alexandra Dias
Michel Capeletti
Ravena Dutra

Produção: Daniel Gabardo

terça-feira, janeiro 10, 2006

Ano de saudade de alguém que eu nunca vi.

Um dia existia neste país um homem-coração. Um dia ele morreu, mas o coração ficou batendo por ai. No ano de 10 anos de falta deste homem, um conto dele, cheio de sangue, como tudo o que ele escreveu.
Um beijo na alma do Caio!



Zero Grau de Libra (Caio Fernando Abreu)
Sobre todos aqueles que continuam tentando, Deus, derrama teu Sol mais luminoso.Caio Fernando Abreu
O Sol entrou ontem em Libra. E porque tudo é ritual, porque fé, quando não se tem, se inventa, porque Libra é a regência máxima de Vênus, o afeto, porque Libra é o outro (quando se olha e se vê o outro, e de alguma forma tenta-se entrar em alguma espécie de harmonia com ele), e principalmente porque Deus, se é que existe, anda distraído demais, resolvi chamar a atenção dele para algumas coisas. Não que isso possa acordá-lo de seu imenso sono divino, enfastiado de humanos, mas para exercitar o ritual e a fé - e para pedir, mesmo em vão, porque pedir não só é bom, mas às vezes é o que se pode fazer quando tudo vai mal.
Nesse zero grau de Libra, queria pedir a isso que chamamos de Deus um olho bom sobre o planeta terra, e especialmente sobre a cidade de São Paulo. Um olho quente sobre aquele mendigo gelado que acabei de ver sob a marquise do cine Majestic; um olho generoso para a noiva radiosa mais acima. Eu queria o olho bom de Deus derramado sobre as loiras oxigenadas, falsíssimas, o olho cúmplice de Deus sobre as jóias douradas, as cores vibrantes. O olho piedoso de Deus para esses casais que, aos fins de semana, comem pizza com fanta e guaraná pelos restaurantes, e mal se olham enquanto falam coisas como: "você acha que eu devia ter dado o telefone da Catarina à Eliete? – e outro grunhe em resposta.
Deus, põe teu olho amoroso sobre todos que já tiveram um amor, e de alguma forma insana esperam a volta dele: que os telefones toquem, que as cartas finalmente cheguem. Derrama teu olho amável sobre as criancinhas demônias criadas em edifícios, brincando aos berros em playgrounds de cimento. Ilumina o cotidiano dos funcionários públicos ou daqueles que, como funcionários públicos, cruzam-se em corredores sem ao menos se verem – nesses lugares onde um outro ser humano vai-se tornando aos poucos tão humano quanto uma mesa.
Passeia teu olhar fatigado pela cidade suja, Deus, e pousa devagar tua mão na cabeça daquele que, na noite, liga para o CVV. Olha bem o rapaz que, absolutamente só, dez vezes repete Moon Over Bourbon Street, na voz de Sting, e chora. Coloca um spot bem brilhante no caminho das garotas performáticas que para pagar o aluguel dão duro como garçonetes pelos bares. Olha também pela multidão sob a marquise do Mappin, enquanto cai a chuva de granizo, pelo motorista de taxi que confessa não ter mais esperança alguma. Cuida do pintor que queria pintar, mas gasta seu talento pelas redações, pelas agências publicitárias, e joga tua luz no caminho dos escritores que precisam vender barato seu texto-olha por todos aqueles que queriam ser outra coisa qualquer e não a que são, e viver outra vida se não a que vivem.
Não esquece do rapaz viajando de ônibus com seus teclados para fazer show na Capital, deita teu perdão sobre os grupos de terapia e suas elaborações da vida, sobre as moças desempregadas em seus pequenos apartamentos na Bela Vista, sobre os homossexuais tontos de amor não dado, sobre as prostitutas seminuas, sobre os travestis da República do Líbano, sobre os porteiros de prédios comendo sua comida fria nas ruas dos Jardins. Sobre o descaramento, a sede e a humildade, sobre todos que de alguma forma não deram certo (porque, nesse esquema, é sujo dar certo), sobre todos que continuam tentando por razão nenhuma – sobre esse que sobrevivem a cada dia ao naufrágio de uma por uma das ilusões.
Sobre as antas poderosas, ávidas de matar o sonho alheio - Não. Derrama sobre elas teu olhar mais impiedoso, Deus, e afia tua espada. Que no zero grau de Libra, a balança pese exata na medida do aço frio da espada da justiça. Mas para nós, que nos esforçamos tanto e sangramos todo dia sem desistir, envia teu Sol mais luminoso, esse zero grau de Libra. Sorri, abençoa nossa amorosa miséria atarantada.
Caio Fernando Abreu, n'O Estado de S. Paulo, 24/09/86.