Chega um momento em que a minha cabeça se esvazia. Qualquer tentativa de comunicação verbal se torna descartável frente a rede complexa de comunicação que é um espetáculo de teatro. Esta é a minha interpretação da palavra fidelidade, ter optado pela criação de uma arte que tem na sua essência uma série de relações humanas objetivas, que propõe a dependência como regra, sem ela não existe o teatro. O diretor precisa ser aceito pelos atores, os atores precisam ser aceitos pelos seus colegas de cena e pela platéia. Este é apenas um dos pontos sublimes da arte teatral, a pluralidade e a dependência. Sem olho no olho, sem uma rede de pequenos acordos humanos o teatro deixa de existir. É também nestas relações em que reside muito do poder subversivo do teatro, antes de tudo estamos falando de homens que dependem de homens,vivos e diferentes, frente a frente, expostos as agruras do tempo e do espaço. Ai está a base do drama. Diferenças que se tocam. Falar no plural é o que nutre minha força de artista.
Associar minhas inquietudes a uma das figuras mais importantes da arte do Séc. XX, Andy Warhol é um passo em direção a alguma coisa que talvez chama-se maturidade. Ou apenas mudança de perspectiva. Até então sempre trabalhei com textos que apontavam para o homem em seu estado mais primitivo descarnado e atemporal. Extinção, primeiro trabalho “oficial” da Cia. Espaço em BRANCO pode ser considera o ponto de transição. Ali está de forma escancarada e procura por uma essência no entendimento das relações afetivas dentro de um núcleo familiar servindo como metáfora pesada da condição finita do homem, da cultura e do teatro. Mas já aparece no espetáculo a sujeira de referências POP, os personagens não são seres flutuantes num limbo de conceito, não, eles vão ao shopping, tomam remédios, vêem cinema e TV, ouvem rock and roll.
Quando li Andy/Edie me agarrei ao texto com a fúria de um guerreiro medieval. Ou com o frenesi de um dervishe. Percebi no texto do Diones o trampolim perfeito para começa a nadar em outras águas. Sair da caverna dos impulsos primitivos que tanto me fascinavam e começar a chegar na superfície. E na superfície está uma cultura organizada pela idéia de lucro e de produto. Está a idéia de consumo. Está o mar de imagens, clichês, sons, drama barato em que estamos mergulhados. Sem tentar bombardear nada e nem prega lições de moral como falar de cultura, de arte? A lição de Warhol me aprece mais do que essencial, devorar tudo, ressignificar, aceitar o lixo e trabalhar com ele. E se der certo, ainda ganhar uma boa grana com isso. ( o que me parece em Porto Alegre apenas utopia). A lição de cinismo de Warhol parece uma via boa de ação dentro deste cenário. O olhar cínico não julga, revela as relações se apropriando delas. Falar de Warhol é também prestar a devida homenagem ao mestre. Filho de imigrantes, pobre, gay, tímido “freak” por excelência Warhol tinha o kit completo para ser esmagado dentro da cultura norte-americana dos anos 60. Mas subverteu tudo se expondo, começando pelo próprio corpo e nome até chegar um todos os meios de comunicação que pudesse, cinema, tv, artes plásticas, performance, festas, literatura, etc. Ao se expor ele expôs toda a complexidade, o paradoxo da contemporaneidade. Tiveram que engolir Andy Warhol com peruca e tudo. Aqui, ele será nosso banquete.
É com prazer que trazemos, trazemos pois falo em nome da Cia. Espaço em BRANCO, este nosso segundo espetáculo.
Dedico o espetáculo a cada pessoa que participou do projeto de elaboração do mesmo, a cada mente criadora que ergueu este espetáculo, esta ação.
Dedico em especial aos meus amigos, atores: Rodrigo, Lisandro, Sissi, Xanda, Michel e a Rave. É uma dedicatória um pouco estranha, já que na real, o espetáculo é deles.
João Ricardo
Teatro de Arena, Inverno de 2006
Um comentário:
Bem legal!.. Ja sei que essa peça ja é um estouro em Poa e ctz que vai rodar todo o Brasil, por sua qualidade de mostrar a realidade urbana e social de uma maneira nao agressiva e que envolve o publico! parabéns!
ate +
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