João Ricardo: Tu estavas no elenco de A Vida cheia de Som e Fúria. Participou de algum outro espetáculo da Companhia?
Fernanda Farah: Comecei com o Esperando Godot. Ainda não se chamava Sutil, participei da re-montagem para o Rio. Depois do Godot o Estou te escrevendo de um país distante, e aí Sonho e Fúria e agora Thon Pain.
JR: Tu tens na tua formação coisas multidisciplinares. Tem Kathakali, tem Bread and Puppet, música contemporânea. Queria que tu falasses justamente disso, da tua formação e como essas pessoas te marcaram no teu crescimento como atriz.
Fernanda Farah: Comecei a fazer teatro muito cedo, com 12 anos. Fui pra São Paulo trabalhar com o Antunes Filho. Tinha uma hierarquia que me incomodava desde o princípio no teatro, porque eu tinha esse desejo de ser atriz, mas não gostava da palavra do diretor ser a final. Até os meus vinte e poucos, isso me fez fazer muito mais música por não suportar como é possível uma atriz criar alguma coisa sem que fosse na obra de outra pessoa. Comecei a fazer música e conhecer música contemporânea. E fui muito cedo pra Berlim, aos 23, e lá conheci pessoas que trabalham na fronteira das áreas, e consegui fazer um solo lá que também era nessa fronteira de áreas, música, performance. Os músicos que viam diziam que parecia teatro e as pessoas de teatro diziam música.
JR: A performance é maravilhosa por isso, é uma fronteira completamente selvagem entre as linguagens.
Fernanda Farah: É uma terra de ninguém. Comecei a vivenciar isso em Berlim, me sinto muito mais livre em outro língua, aí comecei a gostar de ser atriz de novo, e pedir pelo amor de Deus um texto pra eu ler.
JR: E lá em Berlim tu trabalhas basicamente com performance?E também com teatro musical, ópera contemporânea. Eu canto também, toco percussão, computador e toys.
JR: O que são isso, toys?
Fernanda Farah: São coisinhas, muita gente toca, já é uma nova área de instrumentos. Cada um tem seus toys, desde o trompetista que tem os seus de colocar dentro do trompete até aquele que só toca os toys, e eu toco os toys com voz e performance, levanto, me mexo.
JR: Tu tem um grupo lá?
Fernanda Farah: Na verdade pode-se dizer que somos uma cena de música improvisada e arte de fronteira. Tem alguns clubs que nos unem, casas onde a gente se apresenta. Então a gente se troca. A vida na Europa é extremamente caseira, eu me sinto as vezes no interior, em uma metrópole como é Berlim.
JR: Tu foi lá pra estudar ou trabalhar?
Fernanda Farah: Meu namorado morava lá e eu passei 2 anos indo e vindo até me decidir mesmo, aprender a língua, porque eu era atriz de palavra, e teatro falado só posso fazer aqui, ou melhor só tenho interesse de fazer aqui, senão eu teria que me dedicar a falar alemão sem sotaque ou procurar o diretor certo.
JR: Pintam coisas na tua formação como Khatakali.Fernanda Farah: Essa é uma história interessante, porque era uma época que eu participava da Escola Internacional de Teatro do Caribe. Cada país que sedia a escola naquele ano decide quem vai ser os professores, neste ano eu tinha a opção de fazer Khatakali. Ele era esse ser que não se adapta no ocidente. E fiz na Nicarágua com o Bread and Puppet. Era menos pela coisa em si, mas pela situação geográfica, mas foi um Bread and Puppet fora de época porque acho que ele é meio datado, tinha que viver da maneira como as pessoas viviam, como camponeses. E aí preparamos algumas peças, e viajamos com um ônibus e um xilofone, de povoado em povoado.
JR: Como tu chegou no Thon Pain?
Fernanda Farah: O Felipe tinha me dito que o texto era lindo e seria bom eu fazer. Mas eu moro longe e sempre tenho que me adaptar. Aí, comprei o Thon Pain e adorei, o Lady Grey não era editado, mas eu confiei que seria lindo tanto quanto. É muito bem escrito e me interessou especialmente porque é sob o ponto de vista de uma mulher, e a questão é essencialmente humana, poderia ser feita por um homem também. Eu tinha lido Thon Pain e pensei, - putz lá vem no Lady Grey o ponto de vista da mulher- . Isso eu detesto em teatro, os papéis femininos pra mim é sempre de uma mulher numa situação que raramente carrega a questão humana. A primeira coisa da proposta dele é que a Lady Grey é uma atriz que não sabe fazer truques e eu achei isso sensacional. É isso que o Felipe me pediu: - você deve falar muito devagar e seja sincera o tempo inteiro. Eu quero absoluta primeira pessoa e que você seja a Lady Grey -.
JR: Esse teu pensamento e prática de performer e não de atriz tem tudo a ver com a Lady Grey, porque antes de qualquer coisa é o teu corpo, e chega ao ponto da nudez. Está tudo ali, eu fiquei encantado com o espetáculo. Acho ele muito refrescante em termos de linguagem por se apresentar do território, onde não há mais personagens, onde não há mais ação, onde a narrativa está totalmente espicaçada. Um território cheio de espaços, o público vai navegando pelos espaços oferecidos pelo performer.
Fernanda Farah: E é quase uma facada pro público ela ter esse espaço. Acho tão bonito que seja Thon Pain – Lady Grey, porque no Thon Pain ele tenta fazer um teatrinho e tenho a sensação quando chego no Lady Grey que o público já tendo experimentado o Thon Pain gosta de ser enganado, gosta desse acordo que a gente faz. Há momentos que são muito difíceis de fazer, como quando ela diz morram vocês. Ela é uma personagem que tem uma esquizofrenia própria, ambos são esquizofrênicos, e nela é mais sutil ainda. Pra mostrar que há esse personagem, mas ele faz essa confusão na narrativa épica porque há essa narrativa épica que é a linguagem do espetáculo o tempo inteiro. Veja bem há a personagem, mas não há. A pessoa pensa que é, e ele tira. Isso é o que eu fazia na minha performance e de repente eu li este texto onde isso está tematizado, escrito e pontuado.
JR: E o Felipe foi muito rigoroso quando ele te deixa ali no intervalo. É de uma solidão. De uma agressividade.
Fernanda Farah: Eu olho vocês todos. Pouquíssima gente suporta meu olhar. Eu sou o observador embora não seja. A gente recebeu uma carta tão linda de uma menina que assistiu aqui, e ela respondeu exatamente como alguém que foi olhado.
JR: É um espetáculo muito agressivo, construído em cima das afetividades. É a camisa do cara, não é o cara.Fernanda Farah: Eu tenho a sensação que a Lady Grey liga o foda-se, mas na verdade não ligou, no final ela está ruminando aquilo. Esse texto fala da falta de quando a gente não tem a coisa.
JR: Tu percebes a Lady Grey como destacada de ti, ou tu tens uma abordagem pessoal e performática ao mesmo tempo.
Fernanda Farah: Raramente tenho abordagens distantes, e sei também ser uma atriz com abordagem externa. Mas nesse caso é difícil, porque a personagem é uma atriz, que tem vergonha, e eu também sou uma atriz que tem vergonha. “Tenho paralisia, tenho problemas na cama. É a primeira personagem que fiz, eu sou uma falta, sou um ser cheio de buracos, vc também é? Pois é eu sou.” Ela diz que não há nada concreto, e nesse sentido eu me aproximo demais desse personagem.
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Um comentário:
Hey, João!
Blogs são sempre bons porque a gente pode colocar comentários sobre os textos, entrevistas, enfim, tecer comentários.
Eu tinha visto essa entrevista no site poacultural, tinha o link pra ela na comunidade da Sutil e tal. Primeiro, eu achei o site muito legal, a idéia de separar a entrevista pelas fotos (méritos pro cara que desenvolveu o site). Segundo, esse tipo de entrevista é muito interessante, nada daquela coisa chata-formal-tediosa, uma conversa.
Quisera eu ter ido no Festival de POA, queria ter visto algumas coisas que passaram no festival, principal o Thom Pain Lady Grey. Gosto muito das peças da Sutil, o Felipe é um cara sensacional e admiro muito o Guilherme e a Fernanda.
Uma pergutinha, tu sabe qual era a peça que a Armazém ia apresentar e foi adiada?
Grande abraço,
Gal.
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